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suilianrichon

 PESSOAS INSPIRADORAS

BERNARD PRAS

O ser humano por trás do mestre da anamorfose

Autor de  obras-primas criadas à partir de objetos reciclados

Texto de ADRIANA KORTLANDT

Dez 2018

Suilian Richon,Bernard Pras
Sobre meu encontro com Bernard Pras - 

Paris, 18 de novembro de 2018.

Numa manhã de domingo, 10:30: eu estou ali, em frente ao número xx de uma rua de cartão postal, no bairro de Montreuil. O simples fato de estar naquele bairro já mexe com minhas emoções, porque foi lá que as primeiras oficinas cinematográficas foram construídas pelos irmãos Lumière, bem como o primeiro estúdio de cinema do mundo, o Star Film, criação do cineasta pioneiro, Georges Méliès. Estas ‘acontecências’ do limiar da era industrial ainda me convidam a imaginar como a vida artística florescia na cidade das luzes, e de lá para o mundo. 

Agora eu é que estou ali, desta vez para fotografar um outro artista que se deixou acolher por este charmoso bairro: Bernard Pras. Paro diante de sua casa, respiro fundo e toco a campainha. Sempre que toco campainhas fico um pouco nervosa se nada acontece. A dúvida: repito a dose, arriscando deselegância; espero horas a fio, plantada, mas sem perder a pose; tento espiar se alguém vem correndo, secando o cabelo, enfim... fico insegura. Nada disso foi necessário, porque logo acima da campainha está escrito “insista no toque”. Insisto.

Antes de entrar no universo de Bernard Pras, vale lembrar que Montreuil é originário da palavra “pequeno monastério”. Falo isso não apenas por causa da porta da casa, mas pelo todo que vem depois. A porta é muito antiga, pesada, de madeira sem pintura, e ela catapultou minha imaginação para antigos filmes de idade média que gostava de ver quando era menina, com portas bem parecidas, abrindo-se para mistérios e aventuras. 

Toco e espero um pouco, viajando nos filmes antigos, na história do bairro... e a porta se abre. Bernard Pras em pessoa me desejando as boas vindas. Lá estou eu, diante do grande mestre da anamorfose - a arte da reversão da forma.

A recepção também calorosa por parte de sua mulher e colaboradora, Anna Kache, faz com que eu me sinta em casa em dois minutos. 

A entrada dá acesso direto ao atelier, e me pego já espichando o olho, tentando ver suas genialidades, enquanto ele me convida para entrar, perguntando se peguei engarrafamento, essas coisas. Sigo seus passos rumo ao centro da peça. A satisfação de estar ali, no atelier de um artista consagrado mundialmente como ele, não impede que meu nervosismo faça meu coração saltar pela boca, de forma que eu ando escutando o bater do salto do sapato, e do coração, enquanto minha mente tenta me acalmar, para que o trabalho saia bem feito. Se mosteiros são lugares abençoados, lá estou eu em um.

Em um determinado momento, compartilho com ele meus pensamentos: aquele lugar, tudo o que está ali, faz parte do que eu chamo de “o sagrado da fotografia” – aquelas coisas que a gente tem a impressão de que só deve admirar com os olhos, degustar com a alma, mas que não são para serem fotografadas sob o risco de profanação. 

Ele sorri e me tranquiliza, dizendo que posso fotografar o que bem quiser. 

 

Suilian Richon,Bernard Pras

Bernard Pras e a reciclagem -

O impacto ecológico de seu trabalho e  influência pedagógica

Como era de se esperar, seu atelier é repleto de material de recuperação. Observo uma predominância de brinquedos. Mais tarde ele explica, que seu estilo se definiu quando ganhou de uma amiga uma grande caixa de brinquedos usados. Ele conta ainda que cresceu no interior, em um sítio onde tudo era reaproveitado, experiência essa que imprimiu no artista o princípio através do qual ele materializa suas criações. Em suas mãos nada se perde, tudo se transforma. 

O ordinário ganha cores, volume, formas. Por meio dele o passado revive, os objetos se reencarnam em uma nova vida, um novo ciclo, contam uma nova história. Bernard dá luz ao extraordinário. Ele não economiza nos detalhes, contornos ou no degradês das cores. Tudo é sublinhado pela poesia invisível que emana do artista, que recria perspectivas extras com o que recicla.

Suilian Richon,Bernard Pras
Suilian Richon,Bernard Pras
Suilian Richon,Bernard Pras
Suilian Richon,Bernard Pras
Suilian Richon,Bernard Pras

"É necessário tirar do presente algo que seja digno do passado."

"Folie Bergère" - 2017

Seu modo de construção propõe um sistema visual que produz no espectador uma mistura ótica, que o liberta de sua função antiga, e o dirige ao inusitado de uma nova composição. O resultado é um processo de contemplação, um átimo místico atemporal, em pleno século XXI.

Logo me dou conta do peso de estar ali, da responsabilidade de fazer uma foto-reportagem de uma personalidade como Bernard Pras, já tão bem retratada em livros e revistas especializados. 

O que eu posso mostrar sobre esse artista que já não tenha sido apresentado antes? Pergunto-me, já respondendo, num estalo: O ser humano por trás do artista. Pronto. Minha proposta ali é a de fazer uma matéria completamente orgânica, sem bombardeá-lo com questões pré-elaboradas, ou conduzi-lo a uma sessão de fotos antinaturais.

Explico tudo isso ao Bernard, que me sorri com os olhos.

Com minha Canon Mark III em punho, começo a fotografá-lo. Não. Não disparo uma metralhadora giratória, na certeza de que pescarei boas fotos.  Estou em um lugar sagrado, o próprio ato de clicar minha máquina é diferente do que se eu estivesse fotografando sei lá o que, fora daquele espaço. Olho o ser humano que me olha contando as histórias que motivaram suas criações, e me posiciono para fotografar, guiada pela sensação que aquele diálogo me dá.

Suilian Richon,Bernard Pras
Suilian Richon,Bernard Pras

"Wait for me" por Anna Kache

Em sua sala, um loft bem iluminado por claraboias, vários objetos chamam minha atenção, entre eles sua primeira criação , uma estrutura verde, “O Jardineiro” - criação de 1996 e, num outro canto, abrigada numa vitrine de vidro, contemplo a instalação "Love" . 

Suilian Richon,Bernard Pras
Suilian Richon,Bernard Pras

"Love" - 2016

Ele me oferece café, enquanto discute a lista de compras com Anna: domingo é dia de feira. Tudo tem que ser fresco e  orgânico, “biô”, como dizem os francêses.  

Continuo fotografando, como se pisasse em ovos. Eu quero pisar em ovos enquanto fotografo. Isso me dá a ideia de fragilidade, e esta ideia me ajuda a me movimentar naquele espaço diáfano e concreto ao mesmo tempo: concreto, porque as obras estão ali. Recomposições, reciclagens. Diáfano, porque as ressignificações me contam o tempo todo, como uma coisa pode ser outra, outra, outra, um caleidoscópio se girando o tempo todo.

Bernard continua sua contação. Sua naturalidade, simplicidade e espontaneidade contradizem a complexidade de suas composições, seu gosto particular em reproduzir grandes obras como os “portraits” de Dali, Einstein, Louis XIV, Gauguin, Descartes,  a magnífica Vênus de Botticelli, entre tantos outros. 

Suilian Richon,Bernard Pras
Suilian Richon,Bernard Pras

O tempo parece voar e me preparo para me despedir, quando Bernard  me surpreende com o anúncio: você fica para  almoçar com a gente e conhecer um pouco da família. E é com uma taça de champagne rosé na mão, cujo rótulo traz a ilustração de uma de suas obras – “Cat Woman” de 2005, que descubro um outro talento do artista: O de chef gourmet. 

Suilian Richon,Bernard Pras
Suilian Richon,Bernard Pras
Suilian Richon,Bernard Pras

Bernard Pras, Anna Karche, Christiane Pras, Gerard Pras e sua esposa Laura Michelino.

Suilian Richon,Bernard Pras
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Livro coletânea "Bernard Pras" - Editora SOMOGY EDITIONS D'ART - 2017. Meu presente precioso, com  dedicatória e  carimbo de autenticação.

Suilia Richon,Bernard Pras

Os momentos passados com Bernard e sua família me deram a sensação de atemporalidade que encontros verdadeiros costumam dar. Ainda sinto este gosto na boca, por isto escrevo este texto no presente, porque aquele dia é presente em minha memória, que o rebobina e rebobina, fazendo que aconteça paralelamente em minha atualidade. Isso me inspira a continuar fotografando.

Duas palavras para definir este artista:  Talento e generosidade. 

Paris, 18 de novembro de 2018
Suilian Richon

All Images and Original Text  Copyright  ©2013  Suilian Richon

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